Esquizofrenia: uma abordagem atualizada

 

A esquizofrenia é um transtorno mental, caracterizada por delírios, alucinações, discurso desorganizado, comportamento desorganizado ou catatônico. Os sintomas característicos envolvem uma série de disfunções cognitivas e emocionais que acometem a percepção, o raciocínio lógico, a linguagem e a comunicação, o controle comportamental, o afeto, a fluência e produtividade do pensamento, o impulso e a atenção.
Os delírios são crenças falsas, que envolvem a interpretação equivocada de percepções ou experiências. Os delírios bizarros são considerados especialmente característicos da esquizofrenia.

As alucinações podem ocorrer na forma auditiva, visual, olfativa, gustativa e táctil. A auditiva é mais comum sendo percebida como distinta do pensamento da pessoa. Esta pode ouvir vozes que ninguém mais escuta e pode imaginar que está sendo vítima de uma perseguição, com o propósito de destruí-la ou prejudicá-la.
A desorganização do pensamento pode acontecer nas situações em que a pessoa salta de um assunto para outro, as respostas podem não estar relacionadas com as perguntas e o discurso pode ser incompreensível.
Com relação ao comportamento desorganizado podem aparecer dificuldades no desempenho da vida diária. Os comportamentos catatônicos incluem uma diminuição acentuada na reatividade ao ambiente e ao afeto, podendo alcançar uma total falta de consciência.

A pessoa com esquizofrenia chega a perder o contato com a realidade, pode ficar fechada em si mesma, com o olhar perdido, indiferente a tudo o que se passa ao seu redor e ter alterações no desempenho social e laboral.
A esquizofrenia foi inicialmente descrita como doença no final do século XIX pelo psiquiatra alemão Emil Kraepelin. Na época, ele chamou-a de “Demência Precoce” desde que acomete, na sua maioria, jovens que exibiam um comportamento regredido e desorganizado, que lembrava os idosos portadores de demência.
No início do século XX, Eugen Bleuler, psiquiatra suíço, criou o termo esquizofrenia. A palavra esquizofrenia é resultado da junção dos termos gregos “skhizein” (esquizo) que significa fender, clivar, dividir e “phrenos” (frenia) que significa mente. Ele escolheu o termo “mente fendida” por acreditar que a alteração fundamental da esquizofrenia estava na incapacidade dos pacientes associarem seus pensamento e suas emoções, ou seja numa falta de unidade do pensar, do sentir e do querer.

A esquizofrenia, por definição, é um transtorno neurodesenvolvimental, o que significa que inicia quando o bebê ainda está sendo formado dentro do útero da mãe. Porém, apesar do início tão precoce, a doença só é identificada na adolescência ou na fase adulta, pois os sintomas só se manifestam quando o cérebro amadurece. As causas da esquizofrenia são complexas e multifatoriais, tendo em vista que envolve fatores genéticos, culturais, sociais, ambientais e psicológicos que podem predispor o surgir da sintomatologia esquizofrênica.
A esquizofrenia afeta cerca de 1% da população mundial e ocorre normalmente entre os 16 e os 25 anos de idade em ambos os sexos.

Devido às suas características, foi durante muito tempo sinônimo de exclusão social, no entanto, a partir da segunda metade do séc. XX, os avanços terapêuticos permitiram um maior conhecimento da doença e surgiram novas soluções de tratamento que resultaram numa melhora positiva da qualidade de vida do paciente.
Segundo Freud, o esquizofrênico apresenta em seus sintomas, “...uma tentativa de cura ou uma reconstrução”. Nas formações delirantes, o que se percebe é a existência de “...um remendo no lugar em que originalmente uma fenda apareceu na relação do ego com o mundo externo” .
Conforme Freud mesmo postula, na esquizofrenia, as manifestações sintomáticas de delírios e alucinações estão presentes como formações que visam proteger o sujeito da angústia.

O diagnóstico da esquizofrenia, como outros de transtornos mentais, é feito apenas com base nos sintomas clínicos apresentados pelo paciente. Esse método pode levar a diagnósticos imprecisos e equivocados, já que não explica o que, de fato, está acontecendo no organismo e no cérebro de um paciente que apresenta um distúrbio mental.
No centro da problemática da esquizofrenia está a dopamina, neurotransmissor associado às sensações de prazer e de recompensa, que é encontrado em uma das regiões cerebrais mais profundas do cérebro: o mesencéfalo. Nas pessoas saudáveis, a dopamina é liberada em quantidades equivalentes para o lobo frontal e o lobo temporal do cérebro, sendo que o primeiro é responsável pela elaboração do pensamento, e o segundo, pela percepção e pela memória. O cérebro do paciente com esquizofrenia, contudo, funciona como se houvesse menos dopamina no lobo frontal e mais no lobo temporal. Essa falta provoca apatia e lentidão de pensamento. Já o excesso de dopamina na região temporal provoca delírios e alucinações. Essas duas falhas contribuem para o aparecimento dos sintomas da doença.

Estudos genéticos recentes comprovam que o uso crônico da cannabis (maconha), pode colaborar para o desenvolvimento da esquizofrenia, dependendo do tipo de polimorfismo genético que o usuário possui.
Outro estudo publicado no British Journal of Psychiatry em 2004 (Arseneault L, Cannon M, Witton J, Murray RM. Causal association between cannabis and psychosis: examination of the evidence. Br J Psychiatry 2004;184:110-7), avaliando o consumo de maconha e o posterior surgimento de quadros esquizofrênicos, concluiu que o uso de maconha confere um aumento de duas vezes no risco relativo para esquizofrenia. Ainda, os autores sugeriram que a eliminação do consumo de maconha reduziria a incidência da esquizofrenia em cerca de 8%, assumindo uma relação de causalidade.
A evolução da esquizofrenia pode ser caracterizada por dois estádios, súbito ou lento. No estádio súbito, a doença manifesta-se rapidamente e tem uma evolução em poucos dias ou semanas, enquanto no estádio lento o diagnóstico precoce é muito mais difícil podendo levar vários meses ou anos até que se detecte. No caso da evolução lenta, a esquizofrenia no grupo dos jovens adultos pode mesmo ser confundida com as chamadas crises de adolescência e por este motivo frequentemente desvalorizadas, sendo que muitas vezes o isolamento, a quebra de rendimento escolar ou as alterações de comportamento são vistas pelos pais e professores como normais e passageiras.
A esquizofrenia com início na infância aparece depois dos 5 anos de idade e, na maioria dos casos, após desenvolvimento normal. A esquizofrenia infantil é rara e pode ser difícil diferenciá-la de outros transtornos de desenvolvimento da infância, como o autismo.

Os sintomas esquizofrênicos podem ser classificados em duas categorias: positivos e negativos.
Os sintomas positivos são: os delírios, ideias delirantes (pensamentos irreais, como, por exemplo, as ideias de ser perseguido ou vigiado); alucinações (percepções irreais, ouvir, ver saborear, cheirar ou sentir algo irreal, como, por exemplo, vozes que mandam fazer alguma coisa, ou comentam atos); pensamento e discurso desorganizado (elaborar frases sem qualquer sentido ou inventar palavras); agitação, ansiedade, impulsividade.
Os sintomas negativos são: falta de vontade ou de iniciativa; isolamento social; apatia, indiferença emocional; pobreza de pensamento.

As diversas classificações de esquizofrenia geram controvérsias inclusive entre os médicos. Embora já se estude suspender classificações, é possível destacar algumas formas, como de esquizofrenia paranóide, hebefrênica e catatônica. A esquizofrenia paranóide caracterizada por delírios e alucinações com sensação de perseguição, tende a aparecer depois dos 20 anos. Pessoas que sofrem com esse transtorno apresentam grande desconfiança, ansiedade e altos níveis de fúria, podendo facilmente se envolver em confrontos físicos. O paciente, na esquizofrenia paranóide, sente-se ameaçado, mas não sabe de onde vem a ameaça. É algo de indefinido que paira na atmosfera que o cerca e sabe apenas que está ameaçado.
A esquizofrenia hebefrênica ocorre mais cedo e está ligada a alterações na afetividade e a comportamentos infantis.
A esquizofrenia catatônica é marcada por manifestações motoras, como posturas anormais ou rígidas, mutismo ou repetição de frases.

A esquizofrenia não é necessariamente uma doença crônica.
O prognóstico da esquizofrenia é variado. De um modo geral, um terço dos casos consegue uma melhoria significativa e duradoura, outro terço melhora de certo modo com recaídas intermitentes e uma incapacidade residual e outro terço experimenta uma incapacidade grave e permanente.

Um bom prognóstico está relacionado com factores como o começo repentino da doença, o seu início na idade adulta, um bom nível prévio de capacidade e de formação e o subtipo paranóide ou não deficitário.
Os fatores associados a um mau prognóstico incluem um começo em idade precoce, um pobre desenvolvimento social e profissional prévio, uma história familiar de esquizofrenia e ser portador do subtipo hebefrênico.
A esquizofrenia tem um risco associado de suicídio de 10 % e em média e pode reduzir em 10 anos a esperança de vida.

O tratamento deverá atuar em vários níveis para conseguir manter ou reconduzir, completa ou parcialmente, o indivíduo a uma qualidade de vida aceitável. É feito com uso de medicamentos, reabilitação e psicoterapia. Na prática, resulta na mudança do pensamento, dos afetos e do sentido da própria individualidade.
O controle da doença está sempre ligado à precocidade do diagnóstico. Por outro lado, quanto mais precoce for o aparecimento da doença mais difícil será de tratar. Verificou-se que quanto mais tarde for feito o diagnóstico, pior é a evolução da doença, porque determinados mecanismos se estruturam, se consolidam, tornando-se mais complicado modificá-los.

Os primeiros 5 anos são os mais importantes para iniciar o tratamento da esquizofrenia. Assim que aparecerem sintomas é preciso procurar um médico ou psicólogo que vai definir qual o acompanhamento necessário. O tratamento farmacológico é fundamental, na medida em que permite obter melhores resultados, sobretudo quando combinado com a intervenção psicossocial que tende a minimizar o impacto de acontecimentos derivados do contexto em que o doente vive. Por esse motivo, deve haver intervenção individual e de grupo, tais como psicoterapia, reabilitação e aprendizagem social.

Estudos atuais demostram que a combinação das diversas estratégias de tratamento também permite diminuir a ocorrência de recaídas.

O tratamento psicológico da pessoa com esquizofrenia necessita de um terapeuta capaz, que possa entender a necessidade de compreensão existencial do paciente, perceber que uma pessoa pode ser esquizofrênica sem que apresente delírios ou alucinações e sempre observar as singularidades do paciente.
A presença e a participação da família no tratamento do esquizofrênico é determinante, já que a doença, seus desencadeamentos e suas questões geralmente afetam toda a dinâmica familiar. Trabalhar com o paciente e a sua família ajuda a aliviar a tensão, em problemas do trabalho e de relacionamentos pessoais, a estabelecer padrões de reajustamento e na elaboração de fatores tensoriais precipitantes dos episódios esquizofrênicos. Geralmente os pacientes que apresentam ou já apresentaram várias crises se mostram ainda mais dependentes desse acompanhamento. É necessário compreender os limites e as possibilidades desse quadro, de forma que seja possível prestar assistência sem invadir a vida e a individualidade do sujeito. Para isso é necessário que os familiares sejam orientados sobre como proceder nessa situação.

Recomenda-se que a medicação venha sempre acompanhada do atendimento clínico frequente, através do tratamento psicológico. A psicoterapia procura oferecer à pessoa uma ajuda para que ela possa se orientar com os recursos próprios, enfrentar a vida, seus conflitos e suas questões.

Não é possível determinar a frequência das crises, que podem acontecer uma ou diversas vezes na vida do paciente. Porém, em apenas 15% dos casos não acontece um segundo surto. Os outros 85% têm crises recorrentes.
Quanto mais longos e frequentes forem os surtos, mais prejuíz6os trazem aos papéis sociais do portador. Também por isso, é importante que o acompanhamento médico e psicológico se inicie o mais rápido possível. O tratamento é a longo prazo e deve ser mantido mesmo fora dos momentos de crise. Dessa forma, com diagnóstico e tratamento adequados, os desencadeamentos podem ser evitados, garantindo ao sujeito uma vida estável.
Não está indicada uma terapia profunda, porém é essencial que se estabeleça um relacionamento terapêutico com encontros frequentes e com a preocupação e interesse do terapeuta pelo paciente.
O paciente esquizofrênico precisará se sentir reconhecido, respeitado e amado pelo seu terapeuta e pela sua família, para que possa sentir-se motivado e comprometer-se consigo mesmo e com a sua força interior para conseguir ultrapassar problemas, preconceitos e estigmas que advém de sua doença e para que possa alcançar um desenvolvimento psicológico saudável e duradouro.

Mariagrazia Marini Luwisch
Psicóloga Clínica - Psicoterapeuta

 


 


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